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Autismo: quando o diagnóstico vem tarde

01/11/2022
Desde pequeno, o designer Salem Gikovate suspeitava que era diferente das outras crianças. Na escola, passava mais tempo como espectador dos colegas do que participando das brincadeiras. Sua diversão era observar insetos e colecionar besouros mortos – as carcaças, guardadas num potinho de margarina, fizeram com que a diretora do colégio chamasse sua mãe para uma conversa: ela disse que o hobby assustava o resto da turma.

Aos 5 anos, Salem já frequentava sessões de psicoterapia. “Fiz vários testes que mediam minhas competências e habilidades, mas nenhum resultado chamou atenção da psicóloga”, relembra. Mesmo assim, as dúvidas persistiram – e as dificuldades no convívio social ficavam ainda mais nítidas. “Para mim, não é fácil fazer e manter novas amizades. Se as conversas não são diretas, é difícil entender. Custei a perceber metáforas e sarcasmo.”

Há dois anos, uma crise de depressão e uma suspeita de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) levaram Salem a procurar psiquiatras, até chegar a um diagnóstico mais preciso. Após uma bateria de consultas e questionários, a resposta veio: aos 31 anos, descobriu que é autista.

Não foi exatamente uma surpresa. “Por me identificar com as descrições sobre autismo, eu até considerei esse diagnóstico ainda na adolescência”, conta. “Mas desencanei. Afinal, depois de tantos anos, alguém com certeza já teria detectado.”

Essa história não é um caso isolado. Na verdade, ilustra um fenômeno recente: adultos descobrindo tardiamente que possuem alguma forma de autismo – condição cujos diagnósticos costumam acontecer, em média, aos 3 anos de idade.

Quem são essas pessoas? Em geral, adultos que, na infância, não tiveram acesso a profissionais de saúde que entendessem da questão. São também pais de crianças autistas que, ao acompanhar de perto o caso dos filhos, percebem semelhanças no próprio comportamento e vão atrás de respostas. Ou ainda aqueles diagnosticados com outros distúrbios mentais (ansiedade, depressão, TDAH) cujos tratamentos nunca deram resultado.

Mas, afinal, como o diagnóstico é feito? Para termos uma boa resposta, o primeiro passo é entender como funciona o cérebro autista – e o que caracteriza essa condição.
Um estudo da Universidade de Columbia apontou que autistas parecem ter um número maior de sinapses. Mas isso não significa que a comunicação seja mais efetiva.
Durante a infância, o cérebro “poda” conexões entre neurônios para que suas áreas possam desenvolver funções específicas – e não se atrapalhem com o excesso de estímulos. Essa otimização parece não acontecer plenamente no cérebro autista – e pode estar por trás de algumas de suas características, como a hipersensibilidade sensorial.

Outro elemento-chave do autismo é o comportamento. Fazem parte dessa seara de características a aversão a mudanças na rotina, sensibilidade a estímulos sensoriais e interesses restritos – muitos autistas desenvolvem hiperfoco em determinados assuntos ou objetos. Como os besouros de Salem Gikovate.

A diversidade entre os casos fez com que, a partir dos anos 1990, a ideia da existência de um “espectro autista” ganhasse força. A psiquiatra inglesa Lorna Wing foi a primeira a defender que não dever ia existir uma régua única que reduzisse diferentes manifestações de autismo a um diagnóstico fixo. Ou seja, que havia diversos graus de intensidade para a condição. Mas foi só em 2013 que a nomenclatura mudou oficialmente para Transtorno do Espectro Autista (TEA) – ano em que a Associação Americana de Psiquiatria publicou a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), maior referência da área.

A única classificação feita pelo DSM-5 diz respeito ao suporte necessário. São três níveis: no primeiro, estão pessoas do espectro autista que precisam de pouco ou nenhum apoio no dia a dia; no nível 2, ajuda intermediária; já no nível 3 estão aqueles que demandam cuidado constante.

A maior parte dos adultos que recebem o diagnóstico de autismo integra o nível 1, cujas características ligadas ao TEA só serão percebidas de fato por profissionais bem treinados. “Normalmente, é alguém que não percebe os momentos adequados de falar, que não compreende as pistas sociais que o outro oferece numa conversa [gestos, expressões, frases de duplo sentido]’’, explica a neurocientista Fabiele Russo. “Infelizmente, é quem as pessoas vão tachar de ‘chato’.”
Mas isso não impede que autismos de níveis maiores também passem despercebidos.




Fonte: https://super.abril.com.br/saude/autismo-quando-o-diagnostico-vem-tarde/
Por Rafael Battaglia Atualizado em 26 out 2022, 14h51 - Publicado em 21 out 2022, 10h50